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Rumos do sistema nacional da pós-graduação em filosofia
Sobre a Pesquisa em Filosofia
Prof. Ivan Domingues (UFMG)

Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer ao Prof. Oswaldo Giacoia, Presidente da ANPOF, o convite para integrar a mesa, ladeado por colegas tão ilustres.

O tema que vamos discutir - a situação e os rumos da pesquisa em filosofia no Brasil - é mais do que oportuno, e o forum - o congresso da ANPOF - é o local mais do que apropriado.

A oportunidade de discutir tal tema, hoje, é uma daquelas urgências sobre a qual filosofava Tatarana (não tenho pressa; tenho urgência), em decorrência dos rumos recentes da pesquisa e da pós-graduação brasileiras, tendo por atores as Agências (que instauraram uma espécie de darwinismo epistemológico), as Universidades (vítimas do corporativis- mo - o do alto e o do baixo clero - que a última greve das federais só piorou o estado de coisas, e também de alma), e o próprio MEC (que fala de autonomia para as federais, mas de facto não tem projeto para o ensino superior e continua atado à área econômica, como a hidra às suas cabeças).

Já a pertinência de discutir tal tema no congresso da ANPOF dispensa toda justificativa de tão notória, por ser a ANPOF o forum da própria pós, da pós onde se concentra a pesquisa e a excelência da filosofia no país. Também por ser, a exemplo de outras associações, a interlocutora da área com as Agências, interlocução que só tende a aumentar com a tendência das Agências de transformar os representantes de área em uma espécie de consultor especial, ficando as decisões e o que interessa nas mãos da burocracia. E também por ser a ANPOF, na ausência de uma Sociedade Brasileira de Filosofia representativa, a única associação, atualmente em funcionamento, de caráter verdadeiramente nacional, no seio da qual nos entendemos e devemos continuar nos entendendo ao fazer filosofia e política para a filosofia neste país.

Por isso, estou convencido de que tal iniciativa veio para ficar e tem de ser perenizada em outros congressos, mesmo em conjunturas mais favoráveis e ante a ventos menos ameaçadores.

Minha fala, inserida neste pano de fundo, será breve, e estará pautada em três ordens de considerações. Em primeiro lugar, com base na minha experiência de ex-representante de área da CAPES, mas agora como colega de vocês ligado à ANPOF, vou propor uma linha de conduta da entidade para com as Agências, na sua qualidade de interlocutora junto às mesmas (CAPES e CNPq). Em segundo lugar, com base em minha experiência acadêmica, vou propor um conjunto de atividades à ANPOF e aos programas de pós, em vista da consolidação da excelência da pesquisa em filosofia no país, bem como da sua internacionalização, tendo como cenário, no caso das federais, a autonomia. Em terceiro lugar, vou propor um novo formato para a ANPOF, em vista de colocar nossas atividades num novo patamar, e assim nos preparar melhor para os novos tempos que já se iniciam.

Indo rapidamente ao primeiro ponto, sabidamente a ênfase da CAPES agora são os cursos de doutorado. Não tenho a intenção de discutir a última avaliação e seus resultados. Tal discussão deverá ser feita com Danilo em outra ocasião. O que eu gostaria de discutir é a ênfase ela mesma, e sugerir uma nova frente de combate.

Em linhas gerais, com base em minha experiência pessoal em Brasília, estou convencido de que a boa política para a pós-graduação e a pesquisa, seja para as distintas áreas de conhecimento como um todo, seja para a filosofia em particular, deve estar apoiada em dois vetores: um programa de estímulo aos centros de excelência, para premiar os melhores; um programa de apoio aos centros mais precários, para melhorar a qualidade dos mesmos. Neste sentido, defino-me como "desenvolvimentista", por não acreditar que num país deste tamanho, com o ensino superior atingindo menos de 10% da população, a solução para nossas mazelas vai estar no fechamento de cursos puro e simples, ou matá-los à míngua. Simplesmente a Universidade é um bem da civilização, e como tal tem de ser preservada e estimulada. Agora, o que não se pode aceitar, e é intolerável, é o pacto corporativo da mediocridade. Ou se tem de saída o sentido da qualidade, mesmo que como um ideal, ou não se o terá nunca. Portanto, não há lugar para complacências e acomodações.

O perigo deste governo neo-liberal, depois de transformar o país num cassino, alheio ao ensino e à pesquisa, é liquidar o pouco que se conseguiu neste domínio, após décadas de esforço. Antes implantou o darwinismo epistemológico no CNPq. Agora a CAPES decidiu - dizem - que a ênfase é o Doutorado, e mais: que só os cursos 6 e 7, cativos do doutorado, vão receber apoio (quer dizer: uma parte deles, ficando todos os mestrados de fora).

Sabe-se quão perversa é a promiscuidade entre a avaliação e o fomento. Pessoalmente, acredito que esse furor legiferante mais uma vez não vai vingar, pois na prática, em função das pressões de toda sorte, os cursos 4, 5, 6 e 7 vão receber apoio, como antes os antigos A e B. Porém, todo o cuidado é pouco. Inclusive conosco mesmos, por sermos demasiados chegados ao jeitinho brasileiro, e de repente todos os cursos vão criar seus doutorados, sem ter condições.

No meu entendimento, cabe à ANPOF ter uma palavra sábia neste ponto, não se compactuar com o esvaziamento dos mestrados e não se atrelar às políticas do burocrata-legislador de plantão. Talvez um bom caminho seja associar-se a outras entidades congêneres, sociedades científicas, reitores e pró-reitores, e resistir contra tais medidas de Brasília, se elas persistirem.

Para os demais aspectos, menos conjunturais, envolvendo o financiamento da pós-graduação, não é preciso ser grande especialista nestes assuntos para saber que toda política de pesquisa no fundo é bastante simples: uma questão de verba, por um lado, e de existência de pesquisadores ou de grupos de pesquisa, por outro. Satisfeitas ambas as exigências, caberá aos órgãos afetos tão-só promover e facilitar o encontro dos dois lados à base de regras ágeis e estáveis, sabendo que o conhecimento só se frutifica a céu aberto e ao ar livre.

Na Coréia, depois do crash da bolsa asiática, o governo, que não é nenhum anjo, decidiu duplicar os recursos destinados à pesquisa, em vista de preparar o país para o futuro, ensejando tempos melhores. Nosso país, que está condenado ao futuro, e a contra-mão da história, decidiu minguar ainda mais os recursos já minguados - ficando hoje sem recursos para pesquisa, amanhã com certeza sem pesquisadores ...

Quanto ao segundo ponto, aliado ao primeiro (última avaliação da CAPES), está claro que o desafio hoje dos programas de ponta de filosofia é atingir o conceito 7, considerado de padrão internacional. Não vem ao caso discutir aqui o mérito de cursos 7 existentes em outras áreas, algumas delas sabidamente mais fracas. No meu entendimento, num país periférico como o nosso, e que maltrata tanto a educação, é muito difícil lograr e ampliar o 7. Os cursos 7, sem querer ofender ninguém, em parte têm um quê de exótico, tipo doença tropical, história do Brasil, antropologia amazoniana, e assim por diante. Mas há também os de matemática e de física. Ora, no caso da filosofia, com seu charme e precariedades, estou convencido de que muito esforço, de décadas com certeza, deverá ser feito com vistas à internacionalização.

Tal internacionalização, mais do que de convites para colóquios ou de publicação de artigos em revistas estrangeiras, vai depender da publicação de livros e de resenhas sobre os mesmos no exterior, especialmente (no caso da filosofia) nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Vencer este desafio, em parte já vencido pelas ciências exatas e biológicas, será a tarefa, árdua sem dúvida, não só da filosofia, mas das humanidades como um todo, nos próximos tempos.

Ao enfrentá-lo, um dos grandes obstáculos com certeza, a par da falta de recursos das Agências, vai estar nas próprias Universidades, que estão à míngua e bastante pré-dispostas a gastar o pouco que têm nas áreas tecnológicas e nos sorvedouros dos hospitais das clínicas. Este problema, no caso das federais, só vai se agravar com a autonomia. Em vez de brigar com o MEC e o governo, os grupos de docentes vão brigar com o reitor e uns com os outros. Nesta disputa, a área tecnológica, muito mais treinada para disputar recursos, além de bem mais lobista, vai ganhar, e facilmente.

Numa Universidade que virou um balcão de negócios, onde o corporativismo, o arrivismo e o particuralismo campeiam, como falar de bem comum, vender o peixe de que a filosofia é um bem de civilização, e deve pois ser agraciada com parte do bolo, disputado por cães vadios e gentes famintas?

O pior no Brasil é que tudo pode ficar pior ou piorar mais ainda.

Estive recentemente na França e soube que as grandes Universidades estão no maior sufoco financeiro, até mesmo as Sorbonnes e as Grandes Escolas (A Escola Normal Superior de Fontenay/Saint-Cloud, por exemplo, vai se mudar de Paris para Lyon, em busca de mais verbas junto àquela cidade e ao Parlamento Europeu). As Universidades inglesas passaram por duros momentos sob o governo de Margareth Tatcher, e nem por isso a filosofia acabou. Na Alemanha há uma legião de filósofos PHDs desempregados, mas a vida continua e a filosofia tem bastante prestígio.

Consta que o Brasil é, hoje, o país que mais faz e publica filosofia no 3º mundo. Trata-se de uma performance importante, sem dúvida. Mas é um país periférico e refém de sua própria língua (não é uma Nova Zelândia ou uma Austrália que estão nos confins do mundo, mas falam inglês, como de resto a Índia). Por isso, a internacionalização não vai ser uma tarefa fácil.

Cabe à ANPOF, nos seus limites, estimular os intercâmbios existentes e se filiar às sociedades filosóficas internacionais para estimulá-los mais ainda. Mais uma vez, com os pés no chão, temos de pensar grande, quebrar os corporativismos, e ousar - ousar errar, para acertar. Se não, o risco é voltar aos tempos de Tobias Barreto, porém agora sem escrever em alemão, e mais ninguém vai nos ler, nem nós mesmos ...

Nesse esforço de internacionalização, uma coisa a ser levada em conta, seja pelas Agências, seja pela própria ANPOF, em suas diferentes ações e propostas para a área, é a índole da cultura que lhe dá estofo, no caso a brasileira ou a nossa.

Sabidamente, os ingleses são chegados a um bom senso bastante claro e objetivo, porém algo chapado, inclusive em filosofia (veja a entrevista recente de Skinner ao Mais, a um tempo brilhante e clara demais para um filósofo). Por sua vez, os franceses gostam de inventar, são hipercríticos e chegados à novidade. Os alemães, enfim, são meticulosos e extremamente habilidosos em mecânica, porém reputados em filosofia como espíritos extravagantes, metafísicos e delirantes.

Já nós brasileiros não temos um caráter assim tão definido. Por um lado, somos chegados a grandes sínteses abrangentes, a se acreditar em Lévi-Strauss, que nos juntava a este respeito com os argentinos, os chilenos e outros povos da América Latina. Por outro lado, estamos marcados por uma retórica barroca e algo verbosa, oriunda do direito e dos povos ibéricos. Nossa produção, ainda sem uma sólida tradição por trás, espelha algo desses traços, e mais alguns outros, associados ao colonialismo.

As teses e as dissertações, por exemplo, pecam por abrangências dilatadas, e um contextualismo excessivo. Nossos livros muitas vezes são retóricos e esotéricos, quando ensaísticos. Outras vezes, duplicativos, quando hermenêuticos. Outras, rebarbativos, quando sistemáticos. Já os artigos são solilóquios e solidões: não nos lemos, não citamos uns aos outros, e ruminamos nossos pensamentos sozinhos.

Borges dizia que o escritor o tempo todo trabalha contra sua própria língua para poli-la e dar-lhe lustro literário. Um pouco como a filosofia. Afinal, ainda que sua pátria seja sua língua, o filósofo não pode esquecer que escreve para um público universal, mesmo que escreva em português ou dinamarquês, à espera de ser traduzido e lido em línguas menos insuladas.

Todavia, não podemos ignorar que os franceses escrevem para os franceses, antes de serem lidos pelos ingleses e alemães, e vice-versa, de modo que o forum é nacional antes de ser universal ou internacional.

Vivemos de olho na Europa. Conhecemos os argentinos e os colegas brasileiros em Paris, Londres e Heidelberg. Devemos voltar os olhos para nós mesmos, criar o nosso próprio forum, e esperar que um dia nossa ressonância, que não tínhamos, seja enfim escutada.

Quanto ao terceiro ponto (formato da ANPOF), entendo que, vencido o problema de Gramado, e estando a ANPOF hoje cada vez mais vitalizada como forum nacional (este ano são mais de 400 participações!), está na hora de alterar seu formato.

Minha sugestão é ela deixar de ser uma grande feira e passar a funcionar nos moldes da ANPOCS, com mesas de trabalho (os chamados GTs) e inscrições competitivas. Outra sugestão é alternar ano a ano o grande congresso com eventos temáticos mais tópicos e participações mais restritas, espalhados em diferentes pontos do país. Porém, para se desincumbir a contento das tarefas, a ANPOF deverá contar com recursos próprios. A via pode ser ou cota por programa, ou cota por sócio, ou um misto dos dois.

No meu entendimento, se algo não for feito, se uma nova organização não for implementada, simplesmente vamos jogar fora nossa grande chance de termos uma associação científica conforme aos padrões usuais no estrangeiro e em áreas correlatas no país. E se nada for feito, com o formato atual, ao fim e ao cabo ela vai se exaurir, sem poder atender nem mesmo ao voyeur curioso das feiras, por ele não saber o que procurar nem onde vai encontrar o que está a procurar lá.

Rumos da Pós-Graduação Brasileira
Danilo Marcondes (PUC-Rio)

Minhas observações aqui apresentadas, seguindo a proposta deste painel, baseiam-se essencialmente em minha experiência como representante da área de filosofia na CAPES nestes últimos dois anos. Pretendo assim fazer algumas considerações gerais sobre a situação da pós-graduação em filosofia e sobre a política de pós-graduação da CAPES, bem como em seguida, apresentar algumas sugestões e propostas à ANPOF sobre possíveis rumos de desenvolvimento de nossa área dentro deste contexto.

Creio que seria oportuno iniciarmos com uma breve análise de alguns dos pontos centrais da atual política de pós-graduação que a CAPES vem desenvolvendo nos últimos anos e que corresponde a uma mudança de concepção em algumas questões de interesse vital para nossa área de filosofia.

O primeiro ponto a ser destacado é a própria concepção de um programa de pós-graduação que vem substituir o formato anterior de curso de pós-graduação que, por sua vez, se dividia em mestrado e doutorado. O programa de pós-graduação visa integrar mestrado e doutorado, tendo como horizonte a progressiva desativação do mestrado, o que já vem acontecendo em algumas áreas como matemática, física, etc. É corrente na CAPES a avaliação de que a pós-graduação brasileira teve seu início na década de 70 basicamente como mestrado, com algumas poucas exceções, tendo os doutorados sido criados um pouco depois, nos centros aonde o mestrado já se encontrava consolidado. Isso teria levado a uma supervalorização do mestrado, com um prazo excessivamente longo de conclusão das dissertações e, muito freqüentemente, com dissertações que tinham características de verdadeiras teses de doutorado. Esse diagnóstico levou a CAPES a determinar uma mudança de rumo que levasse à valorização do doutorado, estimulando a sua implantação e fazendo com que os mestrandos com um bom potencial pudessem passar direto para o doutorado, sem necessidade de defesa da dissertação de mestrado. Isso parece corresponder a uma tentativa de melhorar a qualificação de docentes do ensino superior, de aumentar o número de titulados no país, que permanece bastante baixo, inclusive em comparação com outros países da América Latina, e de satisfazer a certas exigências da nova lei de diretrizes e bases.

A essa redefinição da pós-graduação em termos de programa e não mais de curso, veio somar-se, como parte da mesma política, a redução dos prazos para a conclusão do mestrado, que passou a 24 meses, e de doutorado, que passou a 36 meses. Isso corresponde aos mesmos objetivos de redução da importância do mestrado e de diminuição do tempo de titulação, considerado excessivamente alto.

Certamente essas duas medidas, que se complementam, têm além do objetivo acadêmico de dar à pós-graduação brasileira um perfil mais ágil e mais de acordo com o contexto internacional, ao menos dos grandes centros, e ao menos no que tange ao papel do mestrado, também um objetivo de otimizar recursos financeiros, cada vez mais escassos devido aos cortes orçamentários, permitindo a concessão de um maior número de bolsas com o mesmo volume de recursos, devido aos prazos menores.

O segundo pont o que merece destaque e têm sido bastante enfatizado consiste na assim chamada "internacionalização" da pós-graduação. Alguns indicadores de avaliação da pós-graduação recentemente adotados têm sido derivados de uma análise de grandes centros acadêmicos no exterior que revelam a pouca competitividade da pós-graduação brasileira em relação a esses centros, sobretudo quanto à produção docente, a pesquisas que geram produtos patenteados e ao impacto da pós-graduação e da pesquisa na sociedade. A CAPES pretende assim fazer um esforço de aproximação da pós-graduação brasileira desses padrões internacionais. A decisão de submeter a uma comissão de avaliação internacional os programas que receberam notas 6 e 7 na avaliação de 1998 é parte desses processo ora em curso.

Parece, contudo, haver uma contradição entre essa busca de padrões de excelência no ensino e na pesquisa em pós-graduação e a necessidade de efetuar cortes de recursos orçamentários e reduzir investimentos. Será difícil atingirmos padrões acadêmicos internacionais com investimentos em infra-estrutura, bolsas e salários que se encontram muito distantes desses padrões.

As medidas acima consideradas, e que vêm sendo implementadas pela CAPES nos últimos dois anos, refletem ainda uma mudança de política em outro sentido. Na decisão e subseqüente implementação desta nova política constata-se uma progressiva centralização do processo decisório na CAPES com uma significativa redução da participação da comunidade acadêmica e do corpo de representantes de área da própria CAPES. Os consultores simplesmente não foram consultados, nem essas medidas foram discutidas em nenhum forum mais amplo além do comitê técnico científico da CAPES composto pela sua diretoria, e por representantes eleitos pêlos representantes de área. Todas as decisões foram tomadas por esse comitê e pelo conselho superior da CAPES sem nenhum mecanismo de consulta ou discussão mais abrangente, o que certamente vêm trazendo prejuízo para a implementação dessas decisões, além de reduzir sua legitimidade e dificultar uma reformulação da pós-graduação que reflita mais de perto as necessidades e prioridades da comunidade acadêmica.

Os cortes orçamentários que vem ocorrendo no governo federal com o propósito de redução do déficit público atingiram duramente a área de educação em geral, sobretudo os investimentos em pós-graduação e pesquisa. A CAPES tem anunciado como política sua, frente aos cortes, dar prioridade às bolsas, procurando manter os compromissos assumidos com programas de pós-graduação que seriam inviabilizados sem este tipo de financiamento. Houve, no entanto, reduções expressivas em verbas de custeio, que trazem por sua vez grandes prejuízos às atividades de pesquisa. Por outro lado, a disputa por recursos atinge o próprio Ministério da Educação (MEC), com reivindicações provenientes de outros setores como, por exemplo a Educação Fundamental (ensino médio). Gerou-se também um conflito de interesses no MEC quanto à distribuição de recursos entre a Secretaria de Ensino Superior e a CAPES, neste momento ambas sob a presidência do Prof. Abílio Diniz.

Creio que cabe aqui uma reflexão, ainda que breve, sobre este panorama e sobre o impacto que essas medidas certamente terão, e já começam a ter, em nossa área.

A redução dos prazos atinge a área de filosofia na medida em que parece consensual que 24 meses para mestrado e 36 meses para doutorado são prazos extremamente curtos para a produção de dissertações e teses de boa qualidade acadêmica que tragam efetivamente uma contribuição para a pesquisa na área. A pesquisa em filosofia exige diálogo com a tradição, domínio de uma literatura especializada, análise de textos, amadurecimento de um projeto, elaboração conceitual, que demandam mais tempo do que pesquisa, por exemplo, em algumas áreas experimentais.

As comissões de avaliação têm tradicionalmente levado esses elementos em conta e o tempo médio de titulação mais extenso não tem pesado negativamente na avaliação dos programas, ressalvando-se a boa qualidade das teses. Além disso, essas comissões têm também, em seus relatórios encaminhados à CAPES, enfatizado repetidamente a especificidade da área de filosofia a este respeito. Por outro lado, penso sr difícil que se consiga, de imediato, reverter essa política, dados os seus objetivos mais gerais, caracterizados acima.

À luz dessas considerações torna-se ainda mais vital pensarmos uma política de pós-graduação para a área de filosofia que possa ser articulada pela ANPOF na defesa de nossos interesses e prioridades e através de uma maior integração entre os programas de pós-graduação existentes, bem como em relação aos programas que estão sendo ou que venham a ser criados.

Este Encontro é muito significativo para quem, como eu, vem participando da ANPOF desde a sua criação em uma reunião de coordenadores de pós-graduação em Brasília no início dos anos 80. O primeiro encontro da ANPOF em 1983 em Diamantina foi um passo inicial numa trajetória que, com todas as dificuldades que temos enfrentado, certamente pode ser considerada bem sucedida se olharmos para o panorama de hoje. É notável o crescimento da área não só numérico, mas qualitativo, a ampliação da participação de pesquisadores, docentes e discentes, o amadurecimento da pós-graduação, o aumento da produção científica de qualidade. São atualmente dezenove programas de pós-graduação pertencentes ao sistema CAPES, isto é, credenciados, avaliados e recebendo apoio. A quase totalidade desses programas existentes está classificada com conceito 3 ou superior. Os programas que tiveram dificuldades no passado receberam ou estão recebendo apoio através do programa de recuperação da CAPES. Várias propostas de criação de programas novos estão em curso, algumas já sendo analisadas por comissões ad-hoc na CAPES. Isso indica que a área se encontra consolidada e em expansão.

A criação de novos programas representa sem dúvida um desafio, já que não vem de imediato acompanhada de um aumento no volume de recursos para bolsas, auxílios, etc. Por outro lado, o crescimento da pós-graduação em filosofia reflete o amadurecimento da área, o aumento no número de professores e pesquisadores titulados, o interesse pela filosofia, o desenvolvimento de nossa produção intelectual. Este crescimento certamente beneficia a área como um todo na medida em que a fortalece e lhe dá mais peso no sistema de pós-graduação e, ao menos a médio e longo prazo, justifica nossa reivindicação de mais recursos. É claro que é importante desenvolvermos uma política própria para a criação de novos programas de pós-graduação em filosofia, para que só venham a ser implantados programas que efetivamente tenham as condições básicas de se desenvolver e consolidar e que, além disso, tenham especificidade filosófica. Nesse processo a ANPOF deve ter um papel importante no estabelecimento de critérios, na acessoria a esses programas em fase de implantação, na discussão de prioridades em um forum próprio.

Nessa fase atual em que nos encontramos, de consolidação e expansão da pós-graduação e da pesquisa, tem sido uma preocupação fundamental das comissões de avaliação a qualidade da produção acadêmica docente e discente. Nossa comissão de avaliação é pioneira na análise de teses e dissertações e tem constatado o indiscutível e auspicioso aumento desta qualidade nos últimos anos. Temos também examinado mais recentemente a produção docente (livros, capítulos de livros, artigos em periódicos) com resultados bastante positivos. O critério fundamental nessas análises tem sido sempre o rigor quanto a qualidade e a contribuição ao debate filosófico. Também nesse aspecto a ANPOF pode ter um papel essencial e já encaminhei a sugestão de que se crie uma comissão especial para o levantamento e a classificação dos periódicos da área, tarefa fundamental e que demanda tempo, amplitude de conhecimento e representatividade. No atual sistema de avaliação da CAPES já começa, no entanto, a ser usado um sistema de classificação de periódicos, em nosso caso ainda bastante provisório e que precisa ser aperfeiçoado. Trata-se assim de tarefa a ser assumida com urgência.

A questão do financiamento para a área permanece uma de nossas principais dificuldades. Se a grande área de ciências humanas já recebe, frente às exatas, às da saúde e às técnicas, um volume de recursos tradicionalmente menor, dentro das ciências humanas a filosofia não tem se destacado como área prioritária para investimentos. É difícil reverter esse quadro num futuro imediato, porém é preciso reivindicarmos esses recursos e justificarmos a relevância e o impacto de nossas pesquisas, o que nos é sempre cobrado. Fontes alternativas de financiamento começam a surgir e a possibilidade de convênios, inclusive com programas de cooperação internacional, deve ser estimulada. A presença da filosofia em programas novos de financiamento como, por exemplo, o Pronex, é importante neste sentido, e pode servir para abrir caminho para novas possibilidades.

Tendo em vista esses pontos discutidos brevemente acima, considero que a ANPOF, articulada com nossas comissões de representantes na CAPES, no CNPq e nas fundações estaduais de amparo à pesquisa, pode ter um papel central no desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa no país. A proposta de criação de Grupos de Trabalho temáticos (os GTs) já como novo formato da ANPOF para a próxima reunião dentro de dois anos, pode contribuir bastante para isso, permitindo uma maior integração entre pesquisadores dos diferentes centros, fomentando uma maior interlocução entre as pesquisas ora existentes, e que freqüentemente se desenvolvem isoladamente dadas as dificuldades de comunicação e de deslocamento. Minha experiência na CAPES tem sido bastante reveladora a este respeito, e certamente tenho constatado a existência de pesquisas no país de excelente nível acadêmico e que já justificam plenamente um maior debate entre nós. Isso não significa, em nenhum sentido, reduzirmos nossos vínculos com o exterior, nossa participação em eventos internacionais, nossos convites a pesquisadores estrangeiros, nossos estágios em grandes centros internacionais, mas apenas reconhecermos que esta relação com o exterior será mais profícua quanto mais formos capazes de reforçarmos nossa produção interna, sobretudo dada à universalidade das temáticas e metodologias do trabalho filosófico.

O intercâmbio docente e discente interno tem sido uma experiência pouco explorada, que esbarra em dificuldades de financiamento e em entraves administrativos, mas uma maior divulgação das linhas de pesquisa existentes e das atividades em curso pode ser um passo importante na superação de alguns desses entraves e para isso também a ANPOF pode contribuir significativamente. Convênios e programas interinstitucionais têm sido uma das prioridades da CAPES e em nossa área são relativamente pouco explorados embora haja um grande potencial a ser desenvolvido.

Certamente a ANPOF tem representatividade e legitimidade para levar adiante essas propostas aqui sugeridas, como em parte já vem fazendo. O apoio da área a essas iniciativas é fundamental para o seu sucesso, bem como a articulação da própria ANPOF com outras associações e entidades do gênero, principalmente mas não exclusivamente na área de ciências humanas e sociais, fortalecerá a gestão juntos aos órgãos públicos na defesa de nossos interesses e possibilitará a obtenção mais eficaz dos resultados desejados por todos.

Considero que já temos maturidade, experiência e massa crítica suficientes para definirmos uma política própria para a área, para elaborarmos o planejamento de nossas atividades, para encontrarmos as formas de financiamento que as viabilizem e para desenvolvermos nossa própria avaliação, complementando o atual sistema da CAPES com elementos e dados, sobretudo de natureza qualitativa, que correspondam mais de perto a nossos critérios e prioridades e possibilitem um acompanhamento mais permanente e mais detalhado da realidade de nossa área. Muitos desses objetivos dependem em grande parte essencialmente de nossa capacidade de mobilização e duma atuação conjunta.



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