Azuis

Não sei bem como quis por estas palavras no papel, sem razão, o porquê da existência delas, delas serem. Talvez. Não sei! De repente, quantos de repentes!, vi nesta imensidão azul, neste céu tão livre como as asas de um Condor, o nosso retrato completar a minha essência cada vez mais feminina, mais poeta, mais azul. Sempre foi o meu destino; aliás sempre foi o fio da minha meada.

Vi-me mulher a buscá-la no seu ventre, mulher. Agora vim buscá-la nas entrelinhas, azuis, mesmo no distanciamento físico. Radicalismo. Veredas. Como dada sempre, não acomodada. Dei minha patada. Virei professora (profissão opressora/mente osa), assalariada, tatuada, ruiva, loura, talvez, sempre libriana, planejando meu curso fora, decidindo minha carreira, nas segundas-feiras, pincelando as infinitas palavras, dançando em qualquer esquina; correndo a cidade como um esquilo, daquilo, para aquilo, para os babados, aos sábados, para qualquer Chico, todos tão pequenos.

Não sei. Domingo. E meu azul ali sempre está. O céu, o Condor bate suas plumas, solta brisa em meu rosto, dá-me pique e persiste como cicatriz em minha vida, em minha letra, em meu nome. Alma viva, sempre viva. Alga viva, sempre escondida, repetida, enxerida, vendo todos lá de cima, acompanhando suas asas, o melhor, o maior. Mulher, somos. Eu sei. Sinto tanto quanto um espanto, disse Jorge; veja se pode? Mulher não sentir? Acho isto mais importante que a exatidão.

Onda vai, onda vem, onda pequena não leva ninguém. Faz o azul em mim viver à flor da pele; polemiza qualquer coração para soltar sonhos no asfalto e comê-los tão gulosos como os da padaria. Não, não daria. Dá-nos a obrigação e o direito de sentir. Eu quero e você também; queremos o terceiro além. Sinto muito. Mulheres. Eram tantas, tão unidas, tão fortes, hoje vencidas; mau dote. Hoje só há eu e você. Só. Sozinhas e não; contradição. Nos completamos tanto eu a você quanto você: a mim, quanto nós por si.Não sei. Talvez, eu sei. Por isso azul. Azul é nossa história, nossa sombra, nossos passos, nossa memória, nossos segredos, nossa verdade, nossa Santa, nosso pranto, nosso sorriso, nosso laço, minha lagartixa, nossa tatuagem, nosso brinquedo, nosso retrato, nossa música, nossa amabilidade, nosso gesto, nosso batom, nosso assombro, nossos olhos, nosso vinho, nosso por isso, nossa dança, nossa pétala, nosso caule, nosso estandarte. Mulher azul. Somos. Flores deveriam nos representar. Prefiro o céu em seu lugar. Voa Condor, voa. Balança suas plumas. Lava de brisa minha face. Talvez...Eu sei.

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