Sol de Inverno


Sol de inverno na janela,
esse rasgão de luz que me atravessa.
Tenta chegar nos últimos capítulos
do meu solitário, cerebral
quase selvagem instante de prazer.
Vida cruel: me fez caminhar,
cruzar rios sem pontes ou vazios,
ondas revoltas incessantes
atordoando meu dorso nu.
Túnicas vãs, opalinas, vaporosas
ao alcance das mãos
mas tão longe do desejo de vestir.

Sol de inverno na janela,
esse sentimento de calor
que penetra e chega
nos últimos fragmentos
da minha alma perplexa e radical,
quase insana, parte vivaz.
Vida cruel: me fez sonhar,
dançar em solos suspensos ou vazios,
nuvens revoltantes, vadias, saltitantes
brincando com meus pés sempre  descalços.
Sandálias vãs, cristalinas, luxuosas,
perto de mim
mas tão longe do desejo de vestir.

Sol de inverno na minha vida vazia.
Essa luz que chega e enleva,
corta, dói, me reduz e continua,
preenche meu corpo, atinge a alma,
chama e seduz.
Vida que se apresenta nesse instante.
Noites, tardes, manhãs,
campos verdes, amarelos,
paisagens sem molduras.
Meu corpo sustenta essa grandeza,
essa esperança de calma e de sossego,
esse avançar pela vida devagar.
Parar ao  dormir sem suspirar,
amando o dia que vai acontecer,
sonhando por aquilo que é viver.

Maria Lucrecia


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